Análise Crítica dos Estudos em Imunologia da Reprodução

Prof. Dr. Manoel Sarno
Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFBA
Departamento de Ginecologia, Obstetrícia e Reprodução Humana

A Imunologia da Reprodução é uma área recente na Reprodução Humana e ainda não há o devido reconhecimento em nosso país. Existem nos Estados Unidos e na Europa, Associações de Médicos que se dedicam ao tema.

Esta subespecialidade tenta auxiliar casais com perdas gestacionais repetidas e falhas em ciclos de Reprodução Assistida com, basicamente, quatro modalidades terapêuticas: a imunoterapia com leucócitos paternos, a imunoterapia com leucócitos de doador não aparentado, a Imunoglobulina humana intravenosa e o inibidor do Fator de Necrose Tumoral alfa (TNF-α).

Existem diversas evidências que as terapias supracitadas modificam o equilíbrio das linfocinas 1-9. Em 2004, Pandey e Agrawal 10 realizaram um estudo randomizado duplo cego com imunoterapia com leucócitos paternos e descreveram uma taxa de sucesso para os casais com diagnóstico de abortamento de repetição de 84%, contra 33% daqueles que usaram sangue autólogo. A grande crítica que se faz a este estudo é a fragmentação do ensaio em muitos subgrupos. Os autores ainda avaliaram um grupo com linfócitos de doador não aparentado (31% de sucesso), solução salina (25%) e sem tratamento (44%). Porém o número de participantes em cada grupo foi muito pequeno, não ultrapassando 32, com um total de 124. E mesmo assim, o estudo demonstrou diferença estatística. Ou seja, caso eles tivessem realizado um estudo apenas com dois grupos, com 62 casais em cada grupo, o resultado seria ainda mais significativo.

Em 2007, Nonaka et al. 11 relataram um claro benefício da imunoterapia com linfócitos paternos em mulheres com diagnóstico de aborto de repetição inexplicável e negativas para os anticorpos bloqueadores. Este estudo foi uma Coorte não randomizada, que apresentou uma taxa de sucesso de 78,6% para o grupo tratado e 30% para o grupo sem tratamento. Em 2008, um grupo chinês demonstrou que a terapia combinada entre Fertilização In Vitro e Imunoterapia com linfócitos paternos foi eficaz para tratamento do aborto espontâneo recorrente. 12

Ainda há muita controvérsia no tratamento imunológico para as perdas gestacionais repetidas. Na literatura atual, a Biblioteca Cochrane, responsável por revisões sistemáticas extremamente respeitadas, considera o tratamento imunológico ineficaz para reduzir as taxas de perdas gestacionais no grupo de casais com aborto de repetição. Nesta revisão, a imunização paterna apresentou um OR de 1,23 (IC95 0,89-1,70) entre os grupos tratados e não tratados, respectivamente. Foram incluídos 12 estudos com um total de 641 mulheres. A imunoglobulina venosa obteve um OR de 0,98 (IC95 0,61-1,58). Não sendo, também, estatisticamente significante. 13 Muitos estudos contestam os resultados desta revisão sistemática com os seguintes argumentos:

1) Estudos com diferentes critérios de inclusão e exclusão de pacientes, 2) Diferentes protocolos de imunização, concentrações de linfócitos e vias de administração, 3) Longo intervalo entre preparo e realização da vacina e estocagem de sangue, 4) Falta de exames de controle pós-imunização, 5) Não exclusão de pacientes com aborto de causa cromossômica, pós-imunização 10, 14. Em 2008, David Clark15, pesquisador canadense, publicou um duro artigo criticando a respeitada Revisão Cochrane. O texto tem o seguinte título: Fatores Imunológicos nas perdas gestacionais: fato ou ficção? Ele conclui dizendo que existe cada vez mais evidências de que os fatores imunológicos estão envolvidos nas perdas gestacionais e as terapias imunomoduladoras podem aumentar a taxa de nascidos vivos em mulheres devidamente selecionadas. O pesquisador ressalta ainda que, como acontece com áreas específicas da Medicina, a investigação e o tratamento exigem centros com recursos necessários e perícia. O comprometimento imunológico na gravidez e a possibilidade de intervir eficazmente são fatos. Crença e descrença como vieses baseados em ideologias sempre vão existir (em parte devido à incapacidade de considerar todos os dados), mas é a totalidade dos dados científicos que é importante.

Alguns centros de Imunologia da Reprodução atuam à distância, realizando a imunoterapia com células estocadas. Em 2005, Clark e Chaouat 16 demonstraram uma redução importante da capacidade imunogênica destas células devido à perda do CD-200, uma proteína de superfície celular que induz a produção dos anticorpos bloqueadores.

Em novembro de 2011, Jerome Check17 foi convidado para falar sobre anticoagulantes, mas dedicou poucos slides ao tema e falou sobre a imunoterapia com linfócitos paternos. Fez duras críticas à metanálise da Cochrane: “médicos menos experientes concordam com os resultados”. “Baseado nas limitações da Cochrane e na minha experiência pessoal eu usaria o concentrado de leucócitos paternos sempre que puder”. “Se for retirada a pesquisa de Ober de 1999 da revisão, os resultados são completamente diferentes.”

Em Salvador-Bahia, foi realizado um estudo com 101 casais com aborto recorrente, tratados em centro de referência em Imunologia da Reprodução, atingindo 82,6% de sucesso no tratado, contra 33,3% no grupo não tratado.

Está em fase final de aprovação estudo multicêntrico, randomizado, brasileiro, que deverá contribuir para esta discussão.

Referências Bibliográficas
1- The influence of paternal lymphocyte immunization on the balance of Th1/Th2 type reactivity in women with unexplained recurrent spontaneous abortion. Szpakowski A, Malinowski A, Glowacka E, Wilczynski JR, Kolasa D, Dynski M, Tchorzewski H, Zeman K, Szpakowski M. Pol A Ginekol. 2000 Jun; 71 (6) :586-92
2- Increased T Helper 1 Cytokine responses by circulating T cells are presente in women with recurrent pregnacy losses and in infertile women with multiple implantation failures after IVF. Kwak-Kim JY et al. Hum Reprod. 2003 Abr; 18 (4) :767-73.
3- Maternal Th1- and Th2-Type Reactivity to Placental Antigens in Normal Human Pregnancy and Unexplained Recurrent Spontaneous Abortions. Raghupathy R. et al. Celular Immunol. 1999; 196 (2):122-30.
4- Effects of Paternal Lymphocyte Immunization on Peripheral Th1/Th2 Balance and TCR Vβ and VΓ Repertoire Usage of Patients with Recurrent Spontaneous Abortions. Hayakawa S. et al. AJRI. 2000 fevereiro; 43 (2) :107-15.
5- Is the Paternal Mononuclear cells’ Immunization a Successful Treatment for Recurrent Spontaneous Abortion? Ramhorst R. et al. AJRI. 2000 Sep; 44 (3) :129-35.
6- Idiopathic habitual abortion: experiences with active immunotherapy. Sterzik K. et al. Geburtshilfe Frauenheilkd. 1995; 55 (9) :493-9
7- Biological effects of leukocytes present in transfused cellular blood products. Bordin JO et al. Blood. 1994, 15; 84 (6) :1703-21.
8- Intravenous Immunoglobulin Treatment in Women with Recurrent Abortions: Increased Cytokine Levels and Reduced Th1/Th2 Lymphocytre Ratio in Peripheral Blood. Yamada H Am J Reprod Immunol. 2003 Fev, 49 (2): 84
9- Effect of Intravenous Immunoglobulin Treatment on the Th1/Th2 Balance in Women With Recurrent Spontaneous Abortions. Graphou O et al. Am J Reprod Immunol. 2003 Jan, 49 (1):21-9.
10- Induction of MLR-Bf and protection of fetal loss: a current double blind randomized trial of paternal lynphocyte immunization for women with recurrent spontaneous abortion. Manoj Kumar Pandey e Suraksha Agrawal. International Immunopharmacology 4 (2004) 289–298
11- Results of Immunotherapy for patients with Unexplained Primary Recurrent Abortions – Prospective Nonn-Randomized Cohort Study. Nonaka, Taro et al. Am J Reprod Immunol. 2007 Dec;58(6):530-6.
12- Allogeneic leukocyte immunization combined with IVF-ET for treatment of infertility induced by recurrent spontaneous abortion. Kong LH et al. Nan Fang Yi Ke Da Xue Xue Bao [Journal of Southern Medical University] 2008 jul; 28 (7): 1300-1
13- Immunotherapy for Recurrent Miscarriage. Porter T Flint, LaCoursiere Yvette, Scott James R. In: The Cochrane Library, Issue 08, 2012
14- Diagnosis and Treatment of Recurrent Miscarriage Associated with Immunologic Disorders: Is Paternal Lymphocyte Immunization a Relic of the Past? Toshiyuki Takeshita. Journal of Nippon Medical School. 2004; 71 (5): 308-313
15- Immunological Factiors in Pregnancy Wastage: Facto or Fiction? David A. Clark. American Journal of Reproductive Immunology. 2008; 59: 277-300
16- Loss of Surface CD200 on Stored Allogeneic Leukocytes may Impair Anti-abortive Effect In Vivo. Clark DA, Chaouat G. AJRI 2005; 53: 13–20
17- Inflammatory Immune Responses in Pregnancy, its Outcome and Potential Treatments. The First Clinical Reproductive Immunology Symposium of American Society for Reproductive Immunology. Marriott Courtyard Hotel, Providience,RI, USA, November 18-20, 2011