Perguntas Frequentes

Aqui responderemos suas principais dúvidas sobre a Imunologia da reprodução e o trabalho que realizamos na Aloimune.

Aloimune é uma abreviatura de aloimunidade (imunidade a outro indivíduo), diferente de autoimunidade (imunidade a si próprio).

A Imunologia da Reprodução é uma nova especialidade médica na área da Reprodução Humana que busca auxiliar casais com perdas gestacionais repetidas ou falhas em ciclos de fertilização in vitro (FIV).

A placenta e o embrião expressam informações de origem paterna (50%) e materna (50%), conhecidos como antígenos de superfície (HLA). Na gestação normal, ao reconhecer as informações de origem paterna, a gestante produz anticorpos bloqueadores, diminuindo a atividade do sistema imunológico e reduzindo a ação das células assassinas naturais, Natural Killer (NK). Essa resposta na gestação normal é conhecida como resposta imune Th2.

Em gestantes que apresentam abortamento de repetição ou infertilidade por causa aloimune, a resposta imunológica é conhecida como Th1 e a atividade das células NK é aumentada devido à ausência dos anticorpos bloqueadores.

A imunoterapia tem como finalidade a produção dos anticorpos bloqueadores, transformando a resposta imunológica da gestação inadequada (Th1) em normal (Th2). Essa transformação diminui a atividade das células NK, mantendo a gestação até o final. A imunoterapia com linfócitos é realizada a partir do sangue do marido ou doador.

Foi desenvolvida pelo Prof. Dr. Alan Beer da Finch University of Health Sciences/The Chicago Medical School , em 1987. Atualmente, a imunoterapia com linfócitos é utilizada em países como EUA, Inglaterra, México, Chile, Argentina, Dinamarca, China, Índia, Austrália, Polônia, Israel e Japão. Cerca de 70% dos hospitais universitários japoneses aplicam este tratamento para abortamento recorrente.

No Brasil, foi introduzida pelo Prof. Dr. Ricardo Barini (Livre Docente da Unicamp) em 1993. Hoje, está disponível em diversas cidades brasileiras como Campinas, São Paulo, Fortaleza, Recife, Vitória e Salvador.

Dr. Ricardo Barini é coordenador do Serviço de Medicina Fetal, Disciplina de Obstetrícia, Departamento de Tocoginecologia da Universidade Estadual de Campinas. Ele também coordena o Ambulatório de Aborto Recorrente, Divisão de Reprodução Humana, Departamento de Tocoginecologia, CAISM /UNICAMP. As perguntas foram enviadas pelas leitoras interessadas no tema abortos de repetição e problemas imunológicos.

Os espermatozóides morrem na vagina porque ela tem uma alta acidez. Porém, é preciso saber se eles morrem na vagina ou se já chegam lá mortos por algum problema na maturação espermática. Um bom espermograma é capaz de identificar essa alteração. Pensamos em alterações imunológicas quando os espermatozóides morrem no muco cervical. A mulher nessa condição pode produzir um anticorpo que é secretado no muco e pode impedir a migração espermática. Essa é a melhor indicação para se fazer uma inseminação intrauterina, pois vence a barreira do muco e deposita os espermatozóides diretamente dentro do útero.

Se você teve abortos anteriores deve receber uma dose baixa de corticóides antes e durante a gravidez. Esse anticorpo em baixos níveis não indica doença reumática, mas podem interferir com a implantação e com o desenvolvimento placentário. Eles podem ter uma reação cruzada com as células do embrião e aí é que atrapalham a evolução da gravidez. A indicação da vacina é feita com base no resultado do exame de crossmatch. Se você tem abortos ou falhas em ciclos de fertilização esta avaliação está indicada.

Não há conduta padronizada específica. Cada clínica ou médico opta por um caminho ou outro, dependendo de sua formação. Há uma tendência em se seguir uma sequência se tratamentos, como indução de ovulação e coito programado, indução de ovulação e inseminação intra-útero e, por último, a fertilização in vitro com transferência de embriões. Essa ordem pode ser alterada de acordo com as características clínicas do casal, a idade da mulher e especialmente pela experiência do médico atendente.

Há um teste chamado pós-coito que tenta avaliar se você possui anticorpos antiespermáticos no muco cervical. Outro exame se chama pesquisa de anticorpos antiespermáticos, que pode ser feito no sangue do casal ou no muco cervical da mulher. São exames com baixa sensibilidade e pouca confiabilidade na prática clínica. A maioria dos médicos evita sua inclusão na investigação, mas podem ajudar a orientar o tratamento mais adequado para o casal.

Sim, mas há métodos um pouco melhores que a medida da temperatura basal. Hoje em dia há kits de medida da elevação do hormônio LH que ajudam a “acertar” melhor a data da ovulação. Outro método muito usado é o seguimento do volume dos folículos ovarianos por ultra-som transvaginal e administrar uma droga que ajuda a maturar os folículos quando estes atingem o diâmetro médio de 18 a 20 mm . 36 horas depois é o melhor momento para a ovulação.

A imunoterapia tem base científica bem estabelecida. Nas décadas de 70 e 80, pesquisadores do mundo inteiro estavam interessados na interação materno-fetal. Dentre eles, destacaram-se Beer & Bilingham, este último Nobel na medicina por seus serviços. Esses dois autores descreveram os mecanismos de adaptação imunológica na gravidez em animais de experimentação e em seguida em humanos. A partir de observações da resposta imunológica de melhor aceitação dos transplantes em pessoas previamente submetidas a transfusões de sangue, propôs-se estudar se este efeito também ocorria na gravidez. Em 1980 nasceu o primeiro menino cuja mãe foi tratada por essa técnica, hoje um estudante de medicina, proposto pelo Dr. Beer. Em 1984 foi publicado o primeiro estudo randomizado duplo-cego (um tipo de estudo em que nem o pesquisador nem a pessoa tratada têm conhecimento do tratamento ou não-tratamento que está recebendo) com o tratamento imunológico em mulheres com aborto recorrente, demonstrando sua eficácia. Nos anos que se seguiram, vários outros estudos repetiram essas observações, alguns com resultados semelhantes e outros com resultados inferiores. Houve muito receio ainda pela epidemia da Aids para o uso de transfusões de sangue, em especial de doadores não aparentados.

Em 1999 um grupo de médicos americanos publicou um estudo duplo cego que não confirmou os achados publicados em 84. Por questões políticas, o grupo que publicou esse artigo, omitiu o nome do Dr. Beer como um dos investigadores desse trabalho, o que gerou protestos pela postura inadequada daquelas pessoas. O projeto não seguiu o desenho de estudo proposto inicialmente, as mulheres não foram reavaliadas se haviam desenvolvido a resposta positiva no crossmatch e obviamente os resultados foram insatisfatórios.

Depois disso, uma revisão dos trabalhos publicados até 2003 mostra que há mais doze publicações de vários países diferentes, atestando a eficácia do tratamento.

Hoje seria, eticamente, difícil de se propor um novo estudo randomizado duplo cego para a terapia imunológica uma vez que há um cem número de centros pelo mundo que realizam a imunoterapia como forma de tratamento reconhecido. A pergunta é qual a mulher (e médico) que se sujeitaria a participar de uma pesquisa em que ela seria aleatoriamente colocada em um grupo com ou sem tratamento, em que nem a paciente nem o pesquisador saberiam em que grupos estariam alocados, quando há uma grande quantidade de dados indicando que o tratamento é eficaz?

Há controvérsia em quase todo tipo de tratamento médico. Alguns provocam mais ou menos alarde, dependendo de múltiplos fatores e interesses envolvidos. Toda nova modalidade terapêutica demora a ser incorporada na prática clínica e é preciso dar um tempo para que os profissionais incorporem a linguagem imunológica na sua atividade clínica. Foi assim com cirurgia, com a hormonioterapia e assim será sempre que algo novo surgir como novidade terapêutica.

Há mais de dez anos venho fazendo palestras e publicando artigos científicos sobre o assunto. Treino em média dois residentes por ano. Cada profissional depois escolhe seu caminho. Hoje somos pelo menos sete médicos no Brasil a fazer o tratamento com vacinas. O desconhecimento ou o receio de lidar com um assunto complexo pode ser um dos motivos que os afasta deste campo maravilhoso da ciência.

Cada centro segue um protocolo. O nosso recomenda que a paciente tenha a resposta imunológica completamente estabelecida antes que a paciente engravide. Um grupo no Japão preconiza as imunizações apenas na gravidez, mas seus resultados não são tão satisfatórios como os nossos.

Aquelas que têm resultado negativo e tiveram aborto ou falhas em ciclos de fertilização assistida, devem realizar o tratamento. Toda gravidez normal implica na produção de anticorpos anti-HLA do marido. Esses anticorpos são mais facilmente identificados por técnica de crossmatch por citometria de fluxo, especialmente quando se investigam casais normais. Como lidamos com casais com problemas, a técnica de crossmatch por microlinfocitotoxicidade é suficiente para diagnosticar a dificuldade de se estabelecer essa resposta e para controle do tratamento.

Sim, o fato de ser anembrionada não impede que a placenta apresente os antígenos para o sistema imune da mulher e que esse passe a produzir os anticorpos anti-HLA.

Mulheres com falhas de implantação em programas de FIVETE têm uma reação imune com tendência a produzir uma resposta do tipo ‘agressora’ e não ‘protetora’ em relação à gravidez. O crossmatch de pacientes que não engravidaram em ciclos de fivete sempre é negativo (elas não foram expostas aos antígenos de seus maridos depois da implantação). O tratamento imune para essas mulheres tem como objetivo mudar o padrão de resposta de ‘agressora’ para ‘protetora’ (de Th1 para Th2). O mesmo efeito se consegue com uso de imunoglobulina humana intravenosa, porém a um custo dez vezes maior. Há estudos com drogas anti-TNF que também são muito mais caras, com muitos efeitos colaterais e cuja eficácia não demonstra ser melhor que o tratamento com a imunização com linfócitos.

Claro. Estima-se que menos de 60% dos folículos fecundados naturalmente cheguem a ser implantados. Isso explica em parte as dificuldades encontradas pelo programas de fertilização in vitro.

Como a resposta imune é sutil não há como identificá-la a não ser pelo crossmatch. Estamos trabalhando em uma pesquisa com dosagens de interleucinas (ou linfocinas, substâncias produzidas pelos linfócitos que caracterizam o tipo de resposta imune, se th1=agressora, se th2=protetora). No futuro este tipo de exame poderá indicar se a paciente já está respondendo de maneira mais apropriada para nova gravidez.

A capacidade de responder a um estímulo imunológico depende de características individuais e da potência do estímulo em relação àquele indivíduo. As dificuldades imunológicas se estabelecem por maior semelhança imunológica entre os pares de casais. Quanto maior o índice de ‘semelhança’ do casal mais difícil será vencer a barreira imune e provocar uma resposta adequada. Assim a maioria dos casais responde com uma seqüência de duas doses, outros necessitam de maior número de estímulos.

O doador deve ser indicado quando se conclui que o estímulo com o marido não é suficiente para promover a resposta imune de interesse. O doador, por ser imunologicamente diferente, promove um estímulo mais intenso sobre o sistema imune da mulher e permite que ela passe a reconhecer os antígenos do marido.

Não há um dado específico que determine a cada quanto tempo se deve fazer um reforço. Este protocolo visa garantir que a mulher esteja com uma produção intensa de anticorpos enquanto tenta engravidar.

O tratamento é repetido em 50% apenas durante a segunda gravidez, porque a capacidade imune estará presente para sempre.

É verdade que se você ainda não engravidou seu crossmatch será negativo (exceto se você tiver recebido transfusões de sangue por outras razões). Este exame funciona como um marcador da resposta imune ao tratamento que tem como objetivo promover uma mudança na resposta imune de TH1 (agressora) para TH2 (protetora).

O material utilizado na produção das vacinas com leucócitos é feito apenas de células do sistema de defesa (neutrófilos e linfócitos). Essas células são destruídas e removidas do organismo receptor depois de um curto espaço de tempo (menos de seis semanas). Não há porque ter qualquer conseqüência futura que não o estímulo imunológico, em especial alterações do ponto de vista genético. Não se trata de transferência de material que iria modificar geneticamente o indivíduo receptor. Do ponto de vista imune as modificações que se induz são exatamente as mesmas que ocorrem em uma gravidez normal, em que a mulher é exposta aos antígenos de origem paterna através da placenta.

Durante muitos anos as multíparas (mulher com mais que um filho) foram doadoras de soro para classificação do tipo de HLA em bancos de doação de órgãos. As mulheres forneciam soro com anticorpos que elas produziam a partir do contato com antígenos paternos na gravidez para que os bancos de órgãos pudessem identificar os potenciais doadores e receptores de órgãos. A limitação que pode ocorrer para futuros transplantes, em que a mulher imunizada seria receptora de órgão, é que ela não poderia receber de um doador para quem ela tivesse o crossmatch positivo (seu marido por exemplo), da mesma maneira que isso aconteceria depois de uma gravidez normal. O que o tratamento faz é exatamente o que a natureza faria. Há que se ter atenção com a sensibilização para o fator Rh. Sempre que a mulher tiver tipo sanguíneo Rh negativo e o marido (ou o doador) for Rh positivo ela deve receber uma vacina anti-RH (Rhogam ®, Mathergan ® ou Partogama ®) em cada imunização com leucócitos do parceiro ou de doador Rh positivo. Vale lembrar que o tratamento não modifica nossas células de forma nenhuma, apenas induz uma mudança na resposta imune específica para a gravidez.

Na história do tratamento imunológico, Dr. Beer sempre teve um papel fundamental, por ter sido seu idealizador e até hoje o homem com mais experiência no mundo nesse tratamento. Desde sua instituição na década de 80, o FDA acompanhou o desenrolar da imunoterapia, que inclusive recebia suporte de algumas seguradoras americanas. Houve uma mudança na política de controle do tratamento a partir de 2000, quando o FDA deixou de enquadrar o tratamento como um procedimento transfusional e passou a ser considerado como transplante de órgãos.

Com essa nova política foi solicitado um novo estudo duplo cego randomizado para se confirmar o tratamento, o que se considera uma fase três de uma nova técnica terapêutica. Esse estudo estava em andamento quando não houve consenso entre os centros participantes quanto à metodologia proposta para se avaliar a eficácia do método. Havia discussões de como se avaliar a resposta imunológica, quais e onde seriam realizados os exames de controle e qual a técnica utilizada como estimulação. Dr. beer tinha outras propostas e decidiu se instalar na Inglaterra, país tão respeitado e rigoroso cientificamente quanto os Estados Unidos e lá desenvolve seu tratamento com o mesmo sucesso de antes. Pena para os casais americanos que agora precisam se deslocar para Londres para receber o mesmo tratamento antes disponível em inúmeras cidades americanas.

15% dos casais que vemos com aborto recorrente têm o crossmatch positivo e, portanto não se enquadram no problema imunológico. Esse dado foi publicado em maio de 1998 na revista brasileira de ginecologia e obstetrícia. Os casais que tomam a vacina e abortam mesmo assim são portadores de algum outro fator associado que leva à interrupção da gravidez. Entre 15 a 20% das gestações se perdem ao acaso por problemas genéticos ou de desenvolvimento embrionário. Sempre solicito o exame de cariótipo fetal nos casos de aborto para comprovar essa possibilidade.