Pesquisa feita nos EUA identifica as condutas inapropriadas mais comuns
Um em três cientistas admite má-fé
Numa pesquisa feita nos Estados Unidos com mais de 3.000 cientistas ligados à área médica, um terço deles admitiu, sob condição de anonimato, que cometeu alguma improbidade em seus estudos nos últimos três anos.
Os resultados, levando em conta que muitos devem ter optado por omitir suas mazelas com medo de que fossem descobertos, são tidos como conservadores pelos realizadores do estudo. Ainda assim, apontam que os pequenos casos de fraude e adulteração, em geral despercebidos, podem causar mais danos à credibilidade da ciência do que os grandes e escandalosos casos de fraude, que acabam indo parar nos jornais.
O estudo foi realizado com pesquisadores dos NIH (Institutos Nacionais de Saúde) dos EUA. De todos os formulários distribuídos, 3.247 foram devolvidos com respostas utilizáveis. Eles foram divididos em acadêmicos em início de carreira e em meio de carreira.
Curiosamente, os pesquisadores experientes (média etária de 44 anos) se mostraram menos éticos que seus colegas principiantes (com, em média, 35 anos). “Embora possamos apenas especular sobre as diferenças observadas entre os grupos, há várias explicações plausíveis”, argumentam Brian Martinson, da HealthPartners Research Foundation, e Melissa Anderson e Raymond de Vries, da Universidade de Minnesota, responsáveis pelo levantamento, divulgado na edição de hoje da revista científica britânica “Nature” (www.nature.com).
O trio aponta como possíveis razões o fato de que os cientistas mais experientes já conhecem melhor o sistema e têm menos medo de serem pegos, ou o fato de que cientistas mais jovens se delataram menos nos formulários, com medo de serem expostos.
Os questionários continham 16 perguntas do tipo “sim ou não”, dizendo respeito a diferentes tipos de má-conduta na qual o cientista poderia ter incorrido nos últimos três anos -que iam da mais inofensiva delas, Nº 16 (“Você manteve registros inadequados de suas pesquisas?”), à mais escabrosa, Nº 1 (“Você falsificou ou “fabricou” dados de pesquisa?”).
“A pergunta mais condenadora foi a de número dez”, avalia Adriane Fugh-Berman, pesquisadora americana que recentemente denunciou um caso de “ghost-writing” (recrutamento de cientistas para assumir a autoria de um estudo e ocultar os interesses dos redatores originais) envolvendo a gigante farmacêutica britânica AstraZeneca.
A questão Nº10 era: “Você mudou o projeto, a metodologia ou os resultados de um estudo em resposta a pressões de uma fonte de financiamento?”. Entre todos os pesquisadores, 15,5% admitiram ter feito isso. Excetuando a quase inofensiva pergunta dos “registros inadequados”, essa foi a que obteve maior resposta.
“Omitir detalhes de metodologia ou resultados se o pesquisador decide fazer isso é uma coisa, outra é se uma companhia farmacêutica decide isso”, diz Fugh-Berman, dizendo que sentiu falta de mais perguntas sobre influências das fontes de financiamento e demonstrando pouca surpresa pelos números obtidos: “A única parte surpreendente da pesquisa é que eles sejam tão baixos”.
Admitindo que até mesmo os maiores números tendem a ser estimativas conservadoras, baseadas em auto-admissão anônima, os autores acham que os resultados preocupam. Argumentam que essas “pequenas” mazelas do dia-a-dia científico podem ser até mais graves do que os grandes casos de fraude que, vez por outra, ganham destaque na imprensa.
“Pouca atenção se deu até agora ao papel do ambiente de pesquisa como um todo no comprometimento da integridade científica”, conclui o trio. “É hora de a comunidade científica considerar quais aspectos desse ambiente são mais importantes para a integridade de pesquisas, quais aspectos são mais suscetíveis a mudanças, e quais mudanças serão as mais frutíferas para garantir a integridade na ciência.”
SALVADOR NOGUEIRA – DA REPORTAGEM LOCAL