A tensão atormentava Susan e Jason Williamson ao entrarem no consultório do cirurgião. Na 22ª semana de gravidez, Susan sentou-se numa das cadeiras de encosto duro, ajeitou a bata sobre a barriga e buscou instintivamente a mão de Jason. “É muito difícil”,disse.
O casal tinha 24 horas para tomar uma decisão que mudaria a vida deles e da filha ainda não nascida. Um dia, uma vida.
Alguns meses antes, os Williamsons souberam que Susan estava grávida pela primeira vez. O casal ficou maravilhado. Ambos com 27 anos, tinham se casado em 1995 e sonhavam em ter quatro filhos.
No dia 7 de abril de 2000, a poucos dias da 17ª semana de gravidez, Susan fez um exame de sangue de rotina para medir a alfa-fetoproteína (AFP), o nível de proteína que escapa da medula espinhal e do cérebro em desenvolvimento para o líquido amniótico, e soube que os níveis de AFP estavam elevados: um possível sinal de espinha bífida. As crianças nascidas com esse defeito congênito com frequência ficam impossibilitadas de andar, precisam de cirurgia no cérebro e são suscetíveis a infecções urinárias e danos renais.
Para confirmar o diagnóstico, Susan precisaria fazer uma ultrassonografia que permitisse a inspeção mais apurada da anatomia do bebê.
No dia seguinte, Susan estava na mesa de exames, olhando as imagens da ultrassonografia. A técnica encarregada tentou dar leveza à situação: “O coração está normal, as mãos são normais. É uma menina”, anunciou.
Susan e Jason ficaram extasiados. Já tinham escolhido o nome: Anna Fisher. Então a técnica ficou quieta e o barulho do útero de Susan, amplificado pelo aparelho, tomou conta da sala.
Por fim o Dr. Steven R. Wells chegou com a notícia: Anna tinha mesmo espinha bífida. O médico deixou os Williamsons sozinhos. Susan e Jason se deram as mãos, choraram e rezaram.
Dez minutos depois estavam no consultório de Wells para saber mais.
Anna tinha uma abertura na região lombar inferior, deixando expostos ossos e nervos. A condição exigiria intervenção cirúrgica quando ela nascesse. A operação só consertaria a abertura, mas não resolveria os danos.
Em geral, as lesões da espinha bífida exercem um efeito insidioso no cérebro, posicionando-o bem mais abaixo do que deveria na coluna vertebral, quadro conhecido como malformação de Chiari do tipo II. A parte de trás do cérebro de Anna já começara a se deslocar. A malformação provavelmente obstruiria o fluxo de líquido cerebrospinal dos ventrículos cerebrais, provocando hidrocefalia. Anna teria de enfrentar uma segunda operação, a fim de implantar uma derivação no cérebro para drenar o líquido.
Embora salvem vidas, as derivações podem causar infecções, obstruir ou falhar. O líquido se acumula e pode haver dano cerebral. As revisões da derivação são caras: até 30 mil dólares por cirurgia. Algumas crianças precisam de dois, três, quatro desses
procedimentos. Estudos mostram que, quanto mais procedimentos desse tipo a criança sofre, mais baixa é sua inteligência média.
Susan e Jason ficaram desorientados. Wells lhes disse que muitos pais naquela situação decidiam interromper a gravidez. O casal rejeitou a ideia desde o começo. Aborto não era uma opção. Mas será que não fazer nada era a única alternativa?
Uma amiga de Susan falou-lhe de um procedimento muito promissor realizado no Centro Médico da Universidade Vanderbilt, em Nashville, Tennessee, no qual os médicos reparavam a lesão da espinha bífida com o bebê ainda no útero.
Entre os benefícios, havia a reversão da malformação de Chiari do tipo II. De algum modo, o fechamento da abertura levava o cérebro a voltar a uma posição mais normal, de forma que, quando muitos dos bebês nasciam, não precisavam fazer a derivação, pelo menos não de imediato.
Esse resultado dependia em grande medida da realização da cirurgia antes da 24ª semana de gravidez. E o procedimento era perigoso. Apenas 89 mulheres haviam ousado tentá-lo. Um bebê morrera e 16 haviam nascido antes de 30 semanas de gestação, alguns no limite da sobrevivência.
Também era arriscado para as mães. O corte no útero poderia abrir durante o parto e matar Susan e Anna, ou exigir uma histerectomia de emergência.
Apesar de assustados, os Williamsons mostraram interesse. Aceitariam os riscos se isso significasse dar a Anna a chance de uma vida mais normal. Decidiram então ir ao Vanderbilt.
O Centro Médico criara um programa de seleção rigoroso para os pais interessados na cirurgia experimental. Entre as barreiras mais intimidantes estava uma longa e penosa conversa com os especialistas em ética da universidade. Eles eram inclementes.
“Vocês acreditam em Deus?”, perguntaram. Quando o casal respondeu que sim, o questionamento prosseguiu. “Que tipo de Deus caridoso faria isso com vocês?”
O casal resistiu ao interrogatório e suportou tudo o que a universidade despejou sobre eles, até mesmo o preço de 30 mil dólares, cuja metade deveria ser paga no dia da internação. (Por sorte, o plano de saúde de Susan concordou em cobrir a quantia total). Susan e Jason também se reuniram com os médicos que realizariam a operação: o cirurgião obstetra Joseph Bruner e o neurocirurgião pediátrico Noel Tulipan.
No segundo dia, porém, a resolução do casal foi abalada por causa de um pequenino bebê. Durante uma visita à UTI neonatal, Susan e Jason viram em primeira mão as consequências do nascimento prematuro. Ali, numa incubadora, um bebê nascido na 26ª semana de gestação lutava pela vida. Sua pele era vermelha e incapaz de impedir infecções. Ele respirava em espasmos por meio de um tubo. Alimentava-se por cateteres intravenosos. Era menor do que o boneco que haviam colocado a seu lado na incubadora.
O Dr. William Walsh, chefe da unidade neonatal, explicou que era raro que bebês nascidos com menos de 23 semanas sobrevivessem e complicado quando nasciam entre a 23ª e a 26ª semanas, correndo risco de paralisia cerebral, cegueira ou outros problemas.
Para Susan, tal destino era demais para Anna. Ela perguntou a Walsh o que ele faria – optaria pela cirurgia se fosse filho dele? E ficou surpresa com a resposta. “Ele respondeu que era uma escolha razoável”, lembra Susan. “Quando ele disse isso, fez toda a diferença para mim.”
Depois de mais quatro dias de ponderação, os Williamsons foram ao consultório de Bruner e disseram que desejavam ir em frente. “Só podemos seguir nossos instintos”, justificou Jason, “e acreditar que estamos certos.”
Na manhã da cirurgia, 17 de maio, Susan quis caminhar o quilômetro e meio do hotel ao hospital. Lembrou-se de que aquele prazer tão simples lhe seria proibido depois dos acontecimentos do dia e quis aproveitar aquela pequena façanha física. No início da gravidez, ela era uma corredora disciplinada. Mas parou depois do diagnóstico de Anna, temendo que a corrida sacudisse o bebê e irritasse a lesão das costas.
Susan caminhava segurando a mão de Jason, acompanhada também da mãe, Joyce, e da irmã mais velha. “Estou com um peso horrível no coração”, confidenciou Susan. “Só quero que ela fique bem”.
Então cedeu às lágrimas. O grupo parou no meio da calçada. Joyce enlaçou a filha e Jason abraçou as duas. No Hospital, Susan parecia pequena, quase frágil, deitada na cama. A barriga elevava só um pouco o lençol. Ao examiná-la, Bruner perguntou:
– Quer que eu dê algum recado a Anna?
– Diga que nós a amamos – pediu Susan. – E que ela espere quietinha aqui dentro mais 15 semanas.
Às 13h20min Susan foi levada para a sala de cirurgia, onde recebeu anestesia geral. Quando estava completamente apagada, Bruner fez uma incisão grande em seu abdome, afastando camadas de pele, gordura e músculos.
Por fim, chegou ao útero. O sulfato de magnésio que pingava pelo cateter intravenoso relaxou o órgão, permitindo que Bruner o retirasse e o pusesse sobre a barriga de Susan. Os médicos fizeram uma ultrassonografia para verificar a posição de Anna. Ela pesava menos de 450 gramas e media apenas 18 centímetros, da cabeça às nádegas. E dormia profundamente. A anestesia geral também a havia derrubado.
Avaliando o melhor lugar pela imagem do ultrassom, Bruner fez uma incisão de um centímetro no útero. Em seguida, inseriu um aparelho de sucção a fim de drenar o líquido amniótico para um recipiente estéril, guardando-o para devolvê-lo mais tarde.
Depois, Bruner fez um corte de oito centímetros no útero de Susan. Ali, afinal, estava Anna. E ali, na região lombar, estava o defeito. A lesão se encontrava aberta, expondo nervos e ossos ao líquido amniótico, deixando o bebê especialmente vulnerável às toxinas.
Tulipan fez cortes nos dois lados do quadril de Anna, para poder unir a pele sobre a abertura, e fechou-a com pontos, usando uma fibra fina como um fio de cabelo humano. Cobriu os dois cortes feitos no quadril com enxertos de pele de doadores falecidos.
Depois de corrigir o problema de Anna, Bruner restituiu o líquido amniótico, costurou o útero, colocou-o de volta no abdome de Susan e fechou a incisão com grampos.
Estava acabado. No dia 12 de agosto de 2000 – cinco semanas antes da data prevista -, Susan entrou em trabalho de parto e Anna nasceu de cesariana. Por um instante, as mãos enluvadas do médico desapareceram dentro da barriga de Susan, e então puxaram a cabeça de Anna. Ela saiu com o pescoço esticado, como se tivesse sido surpreendida numa banheira de espuma. Um halo de cabelos negros cingia-lhe a cabeça. As bochechas inflaram e ela chorou com toda a força dos pulmões.
– Oi, meu amor – sussurrou Susan.
– Acho que seus pulmões funcionam bem – disse Jason.
Anna Fisher Williamson pesava 2 quilos e 600 gramas. No local onde estivera a lesão havia apenas uma pequena prega de pele. Embora o pé direito de Anna tivesse uma deformidade, ela movimentava ambas as pernas e mexia os dedos do pé esquerdo. Mais tarde, molhou a fralda: indício de bom funcionamento da bexiga. E, o melhor de tudo, a cabeça não mostrava nenhum sinal do inchaço que indicaria acúmulo de líquido.
As enfermeiras entregaram Anna a Jason. Ele a levou até Susan, que a beijou com suavidade no rosto.
Então, num momento de exultação, Jason carregou sua “trouxinha” para fora da sala de cirurgia e foi ao quarto onde a avó e a tia de Anna esperavam ansiosamente.
Suspendendo-a com orgulho, exclamou: “Aqui está ela!”
O livro do bebê que Jason e Susan Williamson guardam para Anna está cheio dos marcos comuns e deliciosos da infância: Anna sorrindo para os pais aos 2 meses. Sentando-se aos 6 meses. Engatinhando aos 10 meses. Sorrindo na primeira festa de aniversário. Depois, dando alguns passinhos com 1 ano e meio.
Anna está florescendo. Não há sinais de inchaço no cérebro. Os médicos lhe engessaram o pé, corrigindo o problema, e ela já não precisa de fisioterapia para ajudá-la a andar. É uma menininha saudável, com todas as chances de ter uma vida normal e feliz.
Fonte: Sarah Avery