Chem Immunol Allergy, 2005, vol. 89, p 49-61) Mahniesen e cols (Suécia + USA)
1) INTRODUÇÃO:
A Pré-eclâmpsia é complicação detectada na 2º metade da gestação mas provavelmente tenha seu inicio durante estágios precoce da gestação. Essa desordem é histologicamente caracterizada por invasão trofoblástica restrita, vasculite, trombose e isquemia placentária. Essas características também podem ser aparentes em outras complicações obstétricas como morte fetal, doença hipertensiva específica da Gestação (DHEG), restrição de crescimento intrauterino (RCIU), aborto espontâneo recorrente (AER), falhas em ciclos de fertilização in vitro (FIV) e descolamento prematuro da placenta (DPP). (Roberts et al., 1999)
Essas entidades clinicas devem ter como etiologia comum a resposta imune incluindo inflamação subclinica local no leito placentário e sistemicamente na circulação materna. A Pré-eclâmpsia é difícil de detectar na sua forma precoce e fatores preditivos usados para identificar fatores de risco seria de valor para o médico. Esse artigo trata da pré-eclampsia em humanos e das mudanças imunológicas associadas e é uma revisão de achados importantes recentes desta importante porém ainda incompreendida condição. (Roberts et al., 1999)
2) PRÉ-ECLÂMPSIA CLÍNICA:
Ocorre após a 20º semana e é heterogênea. Desde que o parto cura a doença, a Pré-Eclâmpsia é uma desordem placenta-dependente com sinais e sintomas locais e sistêmicos. Os sinais mais importantes são hipertensão e proteinúria. A incidência é de 3-5% de todas as gestações dependendo da população estudada, podendo chegar à 17% em países da América Latina. (Roberts et al., 1999)
Vários fatores de risco são associados e o risco de Pré-Eclâmpsia: doença vascular materna, desordens autoimunes, causas genéticas, Diabetes Melitus, primiparidade e gestação gemelar.
Embora a etiologia exata permaneça desconhecida, todas essas causas convergem para um denominador fisiopatológico comum: Disfunção Endotelial. Portanto, sugere-se que uma resposta inflamatória materna excessiva talvez diretamente contra antígenos fetais, resulte em uma invasão trofoblástica insuficiente com remodelação defeituosa das artérias espiraladas levando a vasos com alta resistência e perfusão placentária reduzida. As conseqüências são hipóxia placentária e infarto com liberação de citocinas pró-inflamatórias (Tipo Th1) e fragmentos placentários na circulação materna e, possivelmente, ativação endotelial fetal. (Roberts et al., 1999)
3) INVASÃO TROFOBLÁSTICA:
Uma invasão trofoblástica adequada é possível somente após a ocorrência de uma decidualização endometrial da parede uterina. A decidualização é iniciada imediatamente após ovulação para receber o embrião. A produção de progesterona pelo corpo lúteo estimula a decídua a maior vascularização e atividade secretora das glândulas endometriais. (Moffett-King A et al.,2002, Bischof P et al,1996)
Os leucócitos da decídua consistem principalmente de células natural killer (NK) em 65 a 70% e monócitos, macrófagos em 15 a 20% os quais a função exata é desconhecida.
Na matriz extracelular endometrial, mudanças ocorrem para facilitar a propriedade invasiva dos trofoblastos enviando uma âncora segura da placenta na decídua e a remodelagem vascular das artérias espiraladas.
Os citotrofoblastos invasores são uma subpopulaçao do citotrofoblasto viloso, o qual se diferencia em uma camada externa de célula multinucleada, o sincício trofoblástico. Este cobre o mesenquima fetal e vasos e está em contato direto com a circulação materna. Nutrientes e oxigênio são “entregues” ao feto e os produtos excretados por ele retornam para circulação materna através da membrana sinciotrofoblástica.
O citotrofoblasto que se diferencia em citotrofoblasto extraviloso são designados a desenvolver uma capacidade migratória para invadir profundamente a matriz decidual e as artérias espiraladas. A camada músculo elástica da artéria espiralada é substituída pelos citotrofoblastos invasores e material fibrinóide. Assim, as artérias espiraladas são moduladas em vasos de baixa resistência, aumentando o fluxo sanguíneo no espaço interviloso. A invasão dos citotrofoblastos conta com expressão de moléculas de adesão celulares e secreção de enzimas proteolíticas, matriz metaloproteinase (MMP).
Integrinas e proteases: Quando o trofoblasto migra para artéria espiralada a expressão de integrinas é modulada de acordo com o tecido. A matriz é digerida pelas enzimas proteolíticas secretadas pelo trofoblasto. Assim as integrinas e as proteases juntas dão ao trofoblasto a capacidade migratória a qual é uma adaptação fisiológica para uma gestação com bom prognóstico. Uma invasão trofoblástica superficial resulta em uma vascularização placentária pobre e uma âncora deficiente no tecido, isso é associado com aumento do risco de DHEG, RCIU, AER, Falhas em ciclos de FIV e DPP. (Bischof P et al,1996, Zhou Y et al,1997)
4) AÇÃO BALANCEADA ENTRE RESPOSTA IMUNE INFLAMATÓRIA E ANTI-INFLAMATÓRIA.
A invasão trofoblástica está sob a influência de várias citocinas produzidas na interface materno-fetal por várias células de origem imune ou não como leucócitos trofoblasticos, células estromais e endotélio glandular. Assim a hipótese atual, considera que a etiologia da pré-eclâmpsia deveria ser focada na má adaptação das respostas imunes e invasão trofoblástica defeituosa.
A ativação da resposta imune adaptativa é caracterizada de acordo com o fenômeno de secreção de citocinas polarizadas pelas células T Helper. Divide-se em Th1 e Th2. Em humanos, a Th1 secreta citocinas inflamatórias como a IL2, Interferon Gama (IFNγ) e fator de necrose tumoral α (TNF α), enquanto que as células Th2 secretam citocinas anti-inflamatórias como IL-4, IL-5, IL-9, IL-10, IL-12, TGF-β.( Mosmann TR et al,1996).
Um fator decisivo para indução tanto das vias de Th1 quanto de Th2 é a presença de certas citocinas durante o processo inicial quando os antígenos são reconhecidos. IL-4 dita a resposta imune para Th2 e os efeitos da IL-4 têm sido demonstrados dominantes sobre os do INFγ. Assim, é possível que a presença do trofoblasto na cavidade uterina com uma capacidade anti-inflamatória pode iniciar uma ativação incompatível da células imunes teciduais que direciona a atividade imune local para inflamação (Th1). Subsequentemente a produção sistêmica de citocinas e a resposta imune parece ser predominante na sua função inflamatória o que inicia a patologia associada à Pré-eclâmpsia.
5) PRÉ-ECLÂMPSIA E CITOCINAS
• TGF-β (fator transformador de crescimento β) é secretado pelas células do estroma deciduais, macrófagos e células T. Possui o papel regulador pelo efeito negativo potente na invisibilidade trofoblástica pela indução de inibidores teciduais das proteases e aumenta adesão das proteínas da matriz. Porém o real papel da expressão aumentada de TGF-β na invasão trofoblástica defeituosa tem sido contestada, pois não houve diferenças nas placentas de pacientes com DHEG e nos controles.( Lyall F et al, 2001).
• TNF-α: citocina pró-inflamatória produzida pela célula NK, macrófagos e trofoblasto. A TNF-α promove apoptose e aumento da permeabilidade dos vasos endoteliais levando a ativação sistêmica endotelial e portanto sinais associados à Pré-Eclâmpsia. Em conjunção com uma expressão aumentada e secreção de TNF-α na placenta e no plasma, como observado na pré-eclâmpsia, um aumento na expressão de IL-1 também foi relatada. TNF-α e IL-1 promovem mudanças funcionais e estruturais nas células endoteliais, incluindo estresse oxidativo, ativação da cascata de complemento, vasoconstricção, microtrombose e infarto placentário.
Os efeitos do aumento da expressão de TNF-α parecem estar envolvidos com o mecanismo fisiopatológico que ocasiona sinais clínicos.
TNF-α é o maior contribuinte para maioria das mudanças locais e sistêmicas que caracterizam a pré-eclâmpsia. TNF-α aumenta leptina (fenômeno associado à pré-eclâmpsia).
Análise de genes expressos no tecido placentário da pré-eclâmpsia revelou que um dos mais elevados foi o gene da obesidade, a leptina.( Reimer T et al,2002)
• IFN-γ: ativa as células NK que possui propriedade regulatória para invasão trofoblástica. Porém IFN- γ + TNF α + IL-1 = apoptose do trofoblasto.( Saito S et al,2003)
• IL-10: citocina anti inflamatória que inibe a expressão da MMP2, MMP9 e promove o término da reação inflamatória contra a unidade placenta-feto do Th1. Em pequeno número de casos, o aumento nos níveis de IL-10 são vistos na placenta e sangue periférico, o que deve ser resposta compensatória para números elevados de IFN- γ, TNF α e IL2. Por outro lado, a deficiência de IL-10 e aumento do TNF-α são observados em pacientes pré-eclâmpticas comparadas com o controle. (Roth I et al, 1999, Sharma,unpubl. observations).
• Outras citocinas: recentemente, um jeito elegante de mensurar resposta citotóxica associada a pré-eclâmpsia foi descrito pela medida dos níveis séricos de granilisina. O desafio real é achar marcadores precoces. Neste contexto o receptor solúvel da IL-2 estava elevado no primeiro trimestre em mulheres que desenvolveram PE, em comparação com controles.( Eneroth E et al,1998).
6) INTERAÇÕES MATERNO- FETAIS.
Na cavidade uterina, o citotrofoblasto extraviloso manifesta a não usual HLA classe I (HLA E,HLA A, HLA C). Os únicos receptores que foram encontrados para essas moléculas estão nas células uNK (NK uterina) que comparando com a clássica NK tem um potencial cototóxico baixo.( Moffett-King A et al,2002)
A interação entre trofoblasto e a uNK parece ter influência na remodelagem das artérias espiraladas, já que, na gravidez normal, essa interação tem a habilidade de modificar o repertório das citocinas regulando proteases integrinas. A falta dessa interação pode ser crítica e favorecer o desenvolvimento de PE.( Moffett-King A et al,2002, Bischof P et al,1996, Saito S et al,2003, Roth I et al, 1999, Wegmann TG et al, 1993)
7) APOPTOSE E NÓ SINCICIAL.
A degeneração placentária observada na pré-eclâmpsia pode ser devido a uma apoptose do trofoblasto não planejada. A causa exata dessa apoptose é desconhecida. Essa apoptose aumentada pode ocasionar debris no sinciciotrofoblasto, nós sinciciais que vão para circulação materna e geram ativação endotelial sistêmica exagerada.( Sargent IL et al,2003,Sharma,unpubl. Observations)
8) RADICAIS LIVRES
Superóxido é o principal radical livre aumentado na PE. O equilíbrio dos antioxidantes (vitamina E, acido ascórbico, glutationa peroxidase, ceruloplasmina,superoxido catalase/mutase) é alterado na PE. Radicais livres estão aumentados e podem provocar ativação do sistema endotelial incluindo consumo de plaquetas, alteração da relação tromboxane/prostaciclina e aumento da TNF-α.( Walker JJ et al, 1998)
Na gestação normal, aumento de antioxidantes é detectado no sangue com aumento da idade gestacional. Porém, se a inflamação for intensa ou a produção de antioxidantes for baixa, predomina a liberação de radicais livres, como ocorre na PE. Na Síndrome HELLP, a hemólise pode ocorrer devido ao aumento do nível de degradação da glutationa, o que causa dano celular. Dessa forma, sugere-se que o tratamento com inibidor de cicloxigenase para bloquear o estresse oxidativo e suplemento com vitaminas anti-oxidantes pode reduzir o risco de PE em pacientes de alto risco. (Walker JJ et al, 1998)
9) POPULAÇÃO DE LINFÓCITOS NO SANGUE
A PE é caracterizada por mudanças sistêmicas na distribuição da população de linfócitos no sangue periférico.( Matthiesen L et al,1995)
Aumento das células ativadas/memória (CD4+ CD45RO+ e CD4+ CD29+)
e a diminuição de células supressoras (CD4+ CD45RA+) foi observado na PE. O mecanismo de ativação leucocitária não é conhecido, mas é muito semelhante nas condições de infecções bacterianas e virais. Endotoxinas bacterianas injetadas em ratos foram capazes de induzir quadro clínico semelhante ao da PE.( Saito S et al,2003, Wegmann TG et al,1993, Sargent IL et al,2003, Matthiesen L et al,1995)
10) SUBSTÂNCIAS TÓXICAS DA PRÉ-ECLÂMPSIA
O mecanismo para explicar como as toxinas geradas das placentas com alterações vasculares chegam à circulação materna já recebeu várias hipóteses, porém ainda não se chegou a nenhuma conclusão consistente.( Roberts et al., 1999, Saito S et al,2003, Rinehart BK et al,1999, Anim-Nyame N et al,2003, Henessy A et al, 1999, Wegmann TG et al,1993, Neale D et al,2003, Walker JJ et al, 1998)
Na PE foram observados aumentos nos níveis da reatividade de substâncias imunes, com elevação da TNF-α, IL-6 e IL-8. Esse resultado sugere que a PE é um fenômeno inflamatório, com um quadro mais complexo do que um simples desvio da relação Th1/Th2.( Chaouat G et al,2003).
CONCLUSÃO
A PE é uma condição multissistêmica, baseada em uma cascata de fenômenos imunopatológicos originários da placenta. Não há um mecanismo único e simples para explicar o evento. Claramente, a atividade inflamatória local e sistêmica ocorre na PE. O desafio atual é tentar encontrar testes imunológicos para detecção precoce da PE.
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