Meu sonho

Quando pensei em escrever minha história de sucesso, tinha tanta coisa pra falar, que eu não sei o que seria mais importante. Concluí que deveria contar minha história desde o começo, para que outras mulheres, ou outros casais que estejam passando pelas mesmas dificuldades, enxerguem uma luz no fim do túnel.

Apesar de hoje parecer que não foi tão difícil, que nem foram tantas perdas, que meu desespero durou apenas um pouco mais de um ano, que muitas pessoas podem ter muito mais dificuldades … na época parecia uma eternidade, parecia que nunca ia dar certo. E você ainda encontra aquelas pessoas, que tentando ajudar, dizem que existe a adoção, ou que recitam pra você o evangelho da mulher infértil. Olhando pra trás e vendo que deu certo é muito fácil. Mas eu não sabia se ia dar certo, não sabia quantos bebês eu ia perder. A gente nunca sabe. Então não existe caso mais fácil ou mais difícil. Os casos que parecem fáceis, podem ser apenas o começo de um caso difícil. E os difíceis podem ser o final de um que já está dando certo.

Nunca temos como saber. E essa é a pior parte. A dúvida. Tentamos e não sabemos se vai dar certo. E não sossegamos nem quando eles nascem, pois nos acostumamos com a perda. Sabemos como ela é ruim, como dói. E a tememos mais que tudo na vida.

E você que está no começo, pode ficar feliz, pois acredite que tudo vai dar certo. Quem está tentando há muito tempo, quem sabe se o seu final feliz não está perto? Não escute o que te falam. Não tema. Eu sei que é difícil, mas não deixe de viver, aproveite cada minuto. Afinal você tem uma vida, tem um marido (e não se esqueça disso). Está vivendo uma fase muito importante da sua vida. Você está construindo a vida do seu filho. E para ele viver e ser feliz ele precisa de você, precisa que você esteja bem, esteja forte, esteja feliz. Ele precisa de uma família, precisa de um pai e de uma mãe. Então, enquanto tenta engravidar e manter a sua gravidez, cuide de você, cuide do seu marido, cuide da família que seu filho vai encontrar.

Podem pensar que minha história foi simples. Simples, só pra quem não viveu. Eu sei o quanto doeu, o quanto foi longo o tempo de espera, sei as coisas que abri mão, sei o quanto parei de viver … eu não tinha como saber que ia dar certo um dia. E nem quando ia ser esse dia. Só temos essa certeza depois que já aconteceu, o durante é só dúvidas e medo…

E quando der certo pra você, não apague tudo de sua memória, não finja que nada aconteceu, pois sua história pode ajudar alguém, pode confortar alguém. Não importa se é mais fácil ou mais difícil que a minha, o que importa é que pode dar certo e você precisa acreditar nisso. Então vamos para o começo …

Um dia meu marido virou pra mim e me convenceu que tinha chegado a hora! Depois de tanto sonho, tanta espera para que chegasse o momento certo, para que tivéssemos tudo organizado para termos nosso filho! Afinal, sonhamos a vida inteira ter filhos. Tem gente que sonha com sucesso profissional, com dinheiro, fama … sei lá. Nosso maior sonho, nossa prioridade era ter filhos, ter a nossa própria família!

Parei o anticoncepcional oral e não esperava engravidar tão cedo, mas, para minha surpresa, a menstruação atrasou no mesmo mês. Fiz o β-hCG e deu positivo, baixinho, mas positivo. Nem acreditávamos, no mesmo dia fiz a ultra-sonografia (USG) e lá estava o saco gestacional, pequenininho, mas estava cedo. Comemoramos, meu marido prendeu o exame na porta da geladeira, contamos a toda a família e fomos ao obstetra. Um obstetra conhecido, bom e famoso. Ao invés de ser claro (e olha que somos médicos), ficou fazendo parábolas. No momento mais importante da minha vida, ao invés de encontrar um colega, um médico, encontrei um palhaço, que me deixou mais nervosa, mais ansiosa e, pior, sem saber o que ele estava pensando ou tentando dizer. Eu sabia que as coisas não estavam normais, como se aprende nos livros, mas não tinha como saber como é na prática, não sou obstetra! Liguei para Manoel e Lílian (Dr. Manoel Sarno e Dra. Lílian Medeiros) e conversei com eles, que foram bem claros comigo e me falaram das probabilidades. Repeti o β-hCG com 48h e ele não dobrou. Repeti novamente e nada. Era uma gravidez anembrionada.

Normal, é muito comum ter uma gravidez anembrionada. E se eu não estivesse tentando, nem teria feito o teste, nem saberia que estava grávida. Teria sido um pequeno atraso. Então, confiantes, continuamos tentando.

Dois meses depois a menstruação atrasou de novo. Desta vez, com o coração na mão, esperei mais para fazer o teste. E deu positivo. Fui para a minha nova obstetra, Silvinha (Dra. Sylvia Vianna Aragão). Ao contrário do outro, ela é um anjo. Entendia a minha ansiedade, os meus receios, os meus medos. Fizemos a USG, o embrião estava lá e o seu coraçãozinho batia, mas tinha uma área de descolamento do saco gestacional, então fiquei de repouso. Acompanhamos com USG e havia algo errado, o saco gestacional não crescia. Foi uma tensão, os dias não passavam, eu ficava contando os minutos até a próxima USG, sonhando com o momento em que estaria tudo bem com o meu filho, apreensiva, com medo de perdê-lo a qualquer hora. Até a 9ª semana, quando fizemos a USG e o coraçãozinho não batia. Silvinha marcou a curetagem para o mesmo dia. Foi muito difícil, quem já perdeu um bebê sabe do que eu estou falando, não tem como descrever a dor.

Procurei Manoel e pedi ajuda. Ele me disse que eu poderia começar a investigação de imediato ou tentar mais uma vez, afinal o protocolo só considera abortamento habitual a partir da terceira perda. Mas eu não podia nem imaginar perder mais um filho. É muito duro e triste formar um bebê e perdê-lo em seguida. Não, eu não podia tentar de novo, não podia perder mais um. Tinha que descobrir o que estava errado, não tinha como continuar tentando, ao menos sem saber o que estava acontecendo.

Então começamos a investigar. Os exames e os resultados demoram um pouco, aproveitei pra cuidar de mim, perder peso … me distrair. Aos poucos foram chegando os resultados e eu tinha dois problemas: um imunológico (aloimune) e outro uma trombofilia hereditária (heterozigoto para o gene da metileno).

Manoel explicou que tudo é uma somatória de fatores, quanto mais coisas associadas, mais difícil. E eu tinha duas. Ele sempre deixou tudo bem claro, a respeito das patologias, dos tratamentos, das minhas chances. E é importante conhecer o que temos, saber das probabilidades. Tudo bem que quando somos um, não importa o que acontece com os outros 99. Mas é bom saber. É difícil, a gente tenta não ouvir o que ele está falando, pois aqueles números todos assustam. Assusta sabermos que não existe um tratamento mágico, que cada caso é um caso. Às vezes parece melhor não sabermos a verdade. Mas precisamos saber, pois precisamos estar preparadas pra tudo. Precisamos ser fortes pra encarar qualquer realidade. Afinal estamos nos preparando para sermos mães e ser mãe é isso. E com certeza seremos mães muito mais fortes e talvez até melhores, quem sabe?

Então comecei a vacina na Aloimune Imunologia da Reprodução e teria que tomar Heparina, AAS, Vitaminas e Progesterona, durante as tentativas e a gravidez.

A vacina deu certo, o “crossmatch” positivou, mas no material da curetagem deu numerosas células NK. Resumindo, eu teria a indicação de fazer a imunoglobulina. Tudo já era caro e a imunoglobulina estava fora das minhas possibilidades financeiras. E eu decidi não fazer. Comecei a tentar engravidar, o que sempre foi fácil das outras vezes. Porém, agora, inexplicavelmente, não era mais. Eu me achava calma, tranqüila, confiante, fazia tudo igualzinho, mas nada. Por quê? Não sei. Todo mês era a mesma coisa no 14° dia do ciclo começava a Heparina e a progesterona. Fora as vitaminas e o AAS, que não parava nunca. Quem já passou por isso sabe como é chato!

Até que cansei e resolvi, com três meses de tentativa, acompanhar minha ovulação com USG. Fiz tudo certinho. Mas não agüentei nem esperar o atraso, fiz o teste, deu negativo. Continuei tomando os remédios, só por desencargo de consciência. No sábado comecei a ter cólica e parei tudo. Na segunda tive uma surpresa: era para ter descido no domingo e nada (nunca atraso). Fui na farmácia fiz o teste de urina, positivo. Fui no laboratório fiz o teste no sangue. E à tarde tive o resultado, positivão! Mais alto do que nunca. Voltei pra Silvinha com a cartinha de Manoel, descrevendo tudo o que eu tinha feito e o que deveria continuar fazendo. Ela fez a USG e lá estava o saco, mas ainda sem embrião, com um descolamento maior que ele. Novamente repouso.

Não preciso dizer como as horas demoram de passar e as besteiras que pensamos e como é duro esperar. Repetimos o USG alguns dias depois o saco estava maior, o embrião estava lá, mas ainda tinha o descolamento. Porém, a cada USG o embrião e o saco gestacional cresciam, aparecia o coraçãozinho batendo, os bracinhos e as perninhas … o descolamento às vezes aumentava, às vezes diminuía, até que ficou mínimo e não era mais perigoso.

Voltei a trabalhar. Curtia com apreensão cada etapa da minha gravidez, cada dia, cada semana era uma vitória. Fiquei viciada em USG. Eu mesma colocava o aparelho, lá no hospital em que trabalho, só pra ver o coraçãozinho dele batendo e ficar vendo ele se mexer.

Descobrimos o sexo com 11 semanas. Pedro estava a caminho. Agora o embriãozinho tinha identidade e a cada dia eu o amava mais. Ele começou a mexer, então perdi um pouco o vício das USG e fiquei um pouquinho mais tranqüila. Ele me lembrava que estava ali, dentro de mim a cada instante e me confortava. Às vezes eu tinha sustos, contrações, um sangramento leve, um cisto no plexo coróide do bebê, que depois sumiu … mas, qualquer coisinha dava muito medo. O medo de perdê-lo esteve presente todo o tempo … Nove meses, gostosos demais, mas também difíceis demais.

Me arrependo de ter tido tanto medo, afinal, podia ter aproveitado bem mais, mas não me culpo. Como eu ia saber que ia dar certo? Demorei até pra arrumar o quartinho, com medo. Mas é assim mesmo.

Se me perguntassem, eu diria que não vale a pena ficar tão preocupada, nem ter tanto medo, mas como controlá-los? Como saber o futuro? Como saber que vai dar certo ou vai ser mais uma perda? Na verdade, o medo, a decepção, o nervosismo, a angústia, não adiantam de nada, só atrapalham e devemos tentar controlá-los e curtir cada minuto.

Meu filho nasceu, lindo, saudável, me apaixono mais a cada dia. Hoje ele tem nove meses e tem uma família linda, que o ama muito. Ele é o meu sonho, a minha vida, a minha história de sucesso!

Agradeço muito a Manoel, Lílian, Silvinha e minha mãe, pois eles foram muito importantes para esta vitória.